quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Obrigado, Júlio César


Nunca fui um fã incondicional de Júlio César. Mesmo nos melhores anos da sua carreira, ao serviço do Inter de Mancini e de Mourinho, nunca o coloquei num patamar de qualidade onde se encontravam outros grandes nomes das balizas do futebol internacional. Ainda assim, e sobretudo após esta passagem de três temporadas pelo Sport Lisboa e Benfica, ganhei por Júlio César uma admiração e um carinho muito especiais. 

A carreia de Júlio César foi sempre marcada pela palavra "superação". E foi precisamente à medida que fui conhecendo a sua carreia que a minha admiração pelo goleiro brasileiro foi crescendo. Depois do início da carreira no futebol brasileiro, como tantos outros, no clube do coração, o Flamengo, no qual experienciou a titularidade aos 17 anos, alguns títulos e a luta para evitar a despromoção do Brasileirão, chegou à Europa em 2004 pela mão de Roberto Mancini. No entanto, mal chegou, foi emprestado ao Chievo Verona, clube no qual, durante os seis meses de empréstimo, não teve sequer a hipótese de se estrear. Regressaria ao Inter de Milão no início da época 2005/2006 para ser o quarto guarda-redes da turma interista. Até 7 de Julho de 2005, o dia que mudou a carreira de Júlio César.

Londres, 7 de Julho de 2005. Um atentado terrorista em 3 pontos da rede de Metro e um autocarro provoca 56 mortos e mais de 700 feridos. O Inter de Milão faria parte da pré-temporada em Londres e  perante as recusas de Francesco Toldo, Fabián Carini e Paolo Orlandoni em viajar, Júlio César aceita e conquista a titularidade da baliza dos nerazzurri para a temporada 2005/2006. Nas sete temporadas ao serviço do Inter conquista 14 títulos com destaque natural para a vitória na Liga dos Campeões em 2010 (com Mourinho ao leme), ano em que é eleito melhor guarda-redes a actuar no velho continente. E é no topo da carreira que surge o abismo.

Quartos-de-final do Campeonato do Mundo, África do Sul 2010. O Brasil adianta-se no marcador e está a 45 minutos de alcançar as meias-finais. Na segunda parte, após cruzamento da direita, uma saída em falso potenciada por falha de comunicação com Felipe Melo permite o empate dos holandeses, que minutos mais tarde fariam a reviravolta no marcador e deitavam por terra as esperanças dos canarinhos. Júlio César não se esconde. Dá a cara e assume responsabilidades na flash interview perante 200 milhões de brasileiros. Mas vai-se abaixo. Desanima. Desmotiva. Afrouxa. E o rendimento desportivo cai a pique no Inter de Milão. Dois anos depois da conquista da Liga dos Campeões, sai de Itália e procura novo rumo na carreira com os olhos postos no regresso à selecção brasileira, indo para o pequeno Queens Park Rangers, da Premier League.

Apesar de boas exibições individuais, que lhe valeram o regresso à selecção brasileira, o QPR acabou relegado ao Championship. E nem tudo foi um mar de rosas neste ínterim. Em três anos passou de melhor guarda-redes do mundo a desempregado. Teve de comprar o próprio equipamento e foi treinar sozinho para parques com o filho. Mas superou as adversidades e regressou pela porta grande ao escrete, defendendo um penalty de Diego Forlan nas meias-finais da Taça das Confederações 2013, conduzindo o Brasil à conquista do troféu e levando para casa o prémio de melhor guarda-redes da competição.

E é no ocaso de uma carreira brilhante que o destino atraiçoa Júlio César. O Brasil, por muitos designado como um dos principais favoritos à conquista do Mundial 2014, após ultrapassar o Chile  no desempate por grandes penalidades, no qual Júlio César defende três cobranças dos chilenos, é cilindrado pela Alemanha (7-1). No final dessa competição, Júlio César pondera anunciar o adeus aos relvados. Mas contrariado pela família, mantém as luvas calçadas e viaja para Lisboa para encontrar uma nova família futebolística.

Três épocas completas de Benfica. Outros tantos campeonatos, uma Taça de Portugal, duas Taças da Liga e duas Supertaças. No Benfica encontrou, além dos títulos, um clube que o acarinhou de forma muito particular e igualmente merecida. Deu estabilidade à baliza encarnada, que se encontrava órfã depois da saída de Oblak. E as suas defesas valeram títulos. Foi absolutamente decisivo com enormes intervenções na época do bicampeonato e igualmente muito importante, apesar de ver o seu papel subvalorizado, na época do tricampeonato, na qual defendeu a baliza encarnada durante mais de 2/3 da temporada.

De Júlio César fica além da qualidade, da simpatia e do carisma, a personalidade e o exemplo de liderança. Mesmo nos piores momentos pessoais ou colectivos, nomeadamente ao serviço da selecção brasileira, Júlio César não se escondeu e deu sempre a cara nas entrevistas após os jogos, assumindo responsabilidades. Não me esqueço também das várias vezes em que na rodinha de jogadores que se forma imediatamente antes dos jogos começarem, Júlio César usou da palavra para incentivar os colegas. Recordarei a forma correcta e cordata como aceitou a passagem de testemunho, de titular para suplente, sem levantar ondas e mantendo o profissionalismo. E a forma honesta como preferiu, como grande Homem que seguramente é, sair do Benfica pela porta da frente, pela porta grande. Obrigado por tudo, Júlio César.

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